Fui educada, à antiga, como tantas outras mulheres, que o meu Eu
vinha depois do dos outros. Cedo ganhei a noção de que o meu Eu tinha de
vir antes, muitas vezes. Fui apelidada de respondona e nariz empinado.
Era assim que na minha família mais próxima, me tratavam sempre que o
meu Eu teimava em impor-se, em mostrar as suas ideias.
Cresci e consegui que o meu Eu chegasse a muitos degraus da vida onde sempre sonhei, desde pequena, que ele chegasse.
O meu Eu pôde escolher o marido que queria, e não o que (aos olhos da família) parecia ser ideal e dar estabilidade financeira.
O meu Eu não seguiu para uma profissão, à altura considerada de
futuro, e seguiu pelos caminhos (às vezes ingratos) desejados da
escrita.
O meu Eu fez-me ser mãe de duas filhas a quem jurei nunca esquecer o
Eu delas, nem impor-lhes nada a não ser educação, algumas regras e a
respeitar o próximo.
Mas o meu Eu olha em redor e vê que ao Eu das mulheres continuam a fazer-se imposições.
Aos olhos dos outros, temos de ser a melhor mulher, a melhor mãe, a
melhor amante, a melhor dona de casa, a melhor profissional, etc. E por
muito que se faça, por muito que as mulheres sejam já Capazes, de um
dia-a-dia corrido e dividido entre todas estas modalidades, parece que
não chega. É-nos sempre pedido mais.
Um homem alegadamente pode matar a mulher porque esta “lhe tirou o
tapete ao pedir o divórcio” (cito o que ouvi sobre as declarações da
advogada do homem que matou a mulher no consultório em Lisboa e conheceu
o veredicto a 14/01/2015), mas se uma mulher acaba com o casamento
porque não é feliz ou foi traída, nos tempos que correm, ainda é olhada
de lado. Ainda se coloca sobre ela a nuvem da responsabilidade de salvar
o dito casamento.
Muitas Marias têm sido Capazes de erguer o seu Eu e ir, pouco e
pouco, fazendo brechas nestas barreiras. Mas parece-me que ainda estamos
bem longe da igualdade, no que diz respeito à reação dos Eu’s.
O que aprendi enquanto lutava (e ainda luto às vezes) pelo meu Eu é
que antes de tudo mais temos de o exercitar e libertarmo-nos do que está
convencionado ser mulher.
Estou já longe da educação que tentou amordaçar o meu Eu, mas ainda
em aprendizagem. E no meio da loucura que é a vida da mulher, hoje em
dia, aprendi a olhar-me ao espelho todas as manhãs e a dizer-me o quanto
gosto do meu Eu. Nem que seja de relance entre o lavar dos dentes e o
colocar as lentes de contacto. Que gosto de mim com todos os meus
defeitos físicos e pessoais.
Que o meu Eu existe e só se pode calar no
dia em que partir para a outra dimensão.
Porque ninguém é perfeito.
Porque as mulheres são Capazes de muito e também quase do impossível.
Mas para isso, primeiro que tudo, têm de ser Capazes de amar o seu Eu,
independentemente das suas conquistas, das suas falhas e do peso das
expectativas.
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